
A saúde não é um fim em si, mas um chamado a santidade A busca pela compreensão do humano no plano da assistência médica
É comum ouvir a recomendação de que pacientes devem integrar abordagens espirituais aos seus tratamentos médicos, reconhecendo o valor da fé e da espiritualidade na saúde. Contudo, muitas vezes essa orientação parece mais motivada por um discurso politicamente correto do que verdadeiramente fundamentada na ontologia humana, ou seja, na compreensão profunda da essência do ser humano.
A visão politicamente correta, ao sugerir um equilíbrio entre o espiritual e o científico, frequentemente apresenta a espiritualidade como uma camada opcional, um suporte emocional ou psicológico que pode melhorar a adesão ao tratamento ou o enfrentamento das doenças. Embora haja mérito em algum aspecto deste ponto de vista, ele carece de profundidade quando reduz o espiritual ao funcional ou terapêutico, sem reconhecer sua dimensão essencial.
Ontologia humana e dependência da graça divina
A ontologia humana aponta para uma realidade muito mais rica: o ser humano não é apenas um organismo biológico ou um complexo psíquico, mas uma criatura espiritual, criada à imagem e semelhança de Deus. Ele não apenas depende da graça divina, mas é chamado a participar da própria natureza divina (cf. 2Pd 1,4*).
*”Por elas Ele nos concedeu preciosas e grandes promessas, para que por elas vos torneis participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção que há no mundo por causa da concupiscência.” (2Pd 1,4).
Essa verdade transcende qualquer visão reducionista que limite o homem à sua biologia ou o defina como um “simples paciente” em busca de cura.
Na visão cristã, a saúde não é um fim em si mesmo, mas parte de um chamado maior: a santidade. O corpo e a alma, embora distintos, são profundamente unidos. Assim, qualquer abordagem que ignora a dimensão espiritual do ser humano resulta em uma visão fragmentada, incapaz de responder plenamente às perguntas fundamentais sobre o sofrimento, a doença e a morte.
Ciência e espiritualidade: uma falsa dualidade
Um erro frequente é tratar a ciência e a espiritualidade como campos opostos que precisam ser “conciliados”. Na realidade, ambas devem convergir para uma visão integral do ser humano. A medicina, como ciência aplicada, é essencial para aliviar o sofrimento físico e melhorar a qualidade de vida. No entanto, ela deve reconhecer seus limites: não pode oferecer sentido ao sofrimento nem saciar a sede de transcendência que habita em todo ser humano.
A espiritualidade, por sua vez, não nega a importância da medicina, mas a completa. Como explica São Tomás de Aquino, “a graça não destrói a natureza, mas a eleva e a aperfeiçoa”. É nesse sentido que a espiritualidade ultrapassa a ciência: não para substituí-la, mas para lhe dar um horizonte de plenitude.
São João Paulo II expressou isso ao afirmar que “a fé e a razão são como duas asas pelas quais o espírito humano se eleva à contemplação da verdade” (Fides et Ratio). Ciência e espiritualidade não são rivais; são aliadas na busca pelo bem integral da pessoa.
A doença como caminho de santificação
No imaginário moderno, o sofrimento e a doença são vistos como inimigos a serem combatidos pela ciência. No entanto, a espiritualidade cristã propõe uma perspectiva diferente: o sofrimento pode ser um caminho de transformação interior.
Quando vivido à luz da graça divina, ele se torna uma oportunidade para aprofundar nossa dependência de Deus e nossa participação em Sua vida divina.Essa visão não diminui a importância dos tratamentos médicos, mas os coloca em uma perspectiva mais ampla. A medicina é chamada a cuidar do corpo, enquanto a espiritualidade prepara a alma para a união com Deus. É na integração dessas dimensões que encontramos o verdadeiro sentido do sofrimento e da cura.
Portanto, integrar espiritualidade e ciência não deve ser apenas um gesto de correção política ou um artifício para melhorar os resultados terapêuticos. Deve ser um chamado para redescobrir a ontologia humana, que reconhece o homem como dependente da graça divina e participante da própria natureza de Deus.
A espiritualidade não é uma simples adição terapêutica. Ela é a chave para compreender o significado mais profundo da vida e do sofrimento. Da mesma forma, a ciência, ao serviço do bem comum, alcança sua plenitude quando reconhece seus limites e colabora com a dimensão espiritual para promover o bem integral do ser humano.
Essa visão integral não é só uma questão de fé, mas de fidelidade à verdade sobre o homem. Somente ao unir ciência e espiritualidade em suas devidas proporções, podemos oferecer respostas mais complexas às questões fundamentais da existência humana.
Dr. Daniel Coriolano (*)
Autor dos livros técnicos “Inteligência Financeira para Médicos” e “Jornada de Sucesso no Consultório” e livros literários “A Chave do Castelo”, “Leo e o enigma da memória”, “Intelectualmente fascinante, emocionalmente devastador” e outros.
Anfitrião do MEDCAST®️

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