
Câncer de Próstata Prostatectomia Radical - 35 Anos no Ceará
Durante minha residência em cirurgia oncológica no Hospital A. C. Camargo em São Paulo (1983-1986), o Câncer de Próstata localizado era inexistente, uma vez que os casos que chegavam ao hospital já estavam em estágios avançados, geralmente com muitas metástases ósseas e/ou ganglionar, com obstrução infravesical e as vezes paraplegia por metástases na coluna, comprimindo a medula. A única alternativa que tinhamos como tratamento era a orquiectomia bilateral (retirada dos testículos) e o uso do dietilstilbestrol (hormônio feminino), procedimentos paliativos.
Durante o mesmo período, começou a aparecer novos métodos diagnósticos com a finalidade de identificar o câncer de próstata em estágio mais precoce: O antígeno prostático específico (PSA) e o ultrassom transretal, bem como as campanhas de esclarecimento para detecção precoce desse tumor.
Quando terminei a residência no início de 1986 fui convidado pelo professor Dr. Fernando Gentil, chefe do departamento de cirurgia pélvica do Hospital A. C. Camargo para permanecer como staff do serviço e trabalhar com ele em sua clínica particular. Procurei me orientar sobre onde atuar no departamento, já que o mesmo englobava os serviços de urologia, coloproctologia, osso e partes moles. O Dr. Salim Zequi titular mais antigo do departamento me orientou que eu deveria me dedicar a urologia oncológica, pois estava tendo grandes avanços na área, a prostatectomia radical de Patrick Walsh e a reconstrução vesical com a bexiga ortotópica de Camey.
Fiquei trabalhando na urologia, mas solicitei ao Dr. Gentil para fazer um estágio de 6 meses na urologia da Universidade São Paulo – USP em endourologia, pois na época o hospital não fazia nenhum procedimento endoscópico. Na USP conheci o Professor Miguel Srouge que estava começando a realizar as primeiras prostatectomias radicais aqui no Brasil. Fui convidado por ele para assistir a uma Prostatectomia Radical no Hospital Sírio Libanês, assisti sua quarta, sexta e nona Prostatectomia feita em São Paulo, fiquei muito entusiasmado com o procedimento.
Em outubro de 1986 durante a XXVIII Reunião Anual de Cancerologia do Hospital A. C. Camargo, trouxemos como convidado principal o professor Dr. Willet Whitmore, urologista oncológico Chefe do Memorial Sloan-Kettering Cancer de Nova York por 40 anos, ele ditava as regras do câncer urológico no mundo, e era amigo do Dr. Gentil desde a época de residência médica no Memorial, na década de 1940.
O Dr. Gentil me chamou e disse: “Cearense, vou fazer com você o que fizeram comigo: você vai ser o cicerone do Dr. Whitmore, buscando-o no hotel, trazendo-o ao hospital, levando-o ao congresso e levando-o de volta ao hotel. Posteriormente eu falo com ele para que você possa ir fazer um estágio no Memorial.
(Dr. Gentil contou que quando estudante de medicina no Rio de Janeiro em 1940, foi realizado um congresso internacional de câncer, e seu cunhado, o cirurgião e urologista do Rio Ugo Pinheiro Guimarães tinha pedido para ele ser o cicerone do convidado mais importante, que era o famoso cirurgião oncológico Dr. George T. Pack), e assim eu fiz, na sua despedida ele me convidou para ir ao seu serviço.
Em janeiro 1989 fui para o Memorial de Nova York, vibrando por estar estudando talvez no melhor hospital de câncer do mundo, conhecendo as principais figuras da oncologia: Drs. Jatin Shah da cabeça e pescoço, Urban da mama, Fortner e Brennan do abdome, Vincent Devita da oncologia clínica e sem dúvida, o Dr. Whitmore que me recebeu.
Nesta época, o Dr. Whitmore não era mais o chefe da urologia, o novo chefe era o Dr. Wiliam Fair, boa pessoa, mas limitado na cirurgia, certo dia ele foi fazer uma prostatectomia radical, auxiliado por 2 fellows, o Dr. Eric Klein (hoje diretor da urologia da Cleveland Clinic há mais de 20 anos) e o Dr. Ian Thompson ( San Antonio Cancer Center), a cirurgia começou às 8 horas da manhã, lá pelas 15 horas o paciente já tinha tomado 8 litros de sangue e eles não conseguiam retirar a peça, tiveram que chamar o Dr. Brennan chefe do departamento de cirurgia, ao final o Dr. Eric olhou para mim e disse “ Dr. Pinto você não viu uma cirurgia”, o que eu imediatamente concordei, nesta época, prostatectomia radical até no Memorial de NY ainda era coisa rara.
Neste mesmo período, fui também visitar a Cleveland Clinic, onde o Dr. Edson Pontes era o chefe do setor de câncer urológico do serviço, eu tinha conhecido o Dr. Edson em um congresso de uro oncologia patrocinado pela Cleveland Clinic no Guarujá em março de 1986. O Dr. Edson já tinha a prostatectomia radical bem padronizada, costumava realizar várias todas semanas, excelente cirurgião.
Voltando para o Brasil, passei por São Paulo, pois ainda tinha dúvida se me fixava em Fortaleza ou permanecia em São Paulo, em uma reunião do serviço da pélvis, indiquei uma prostatectomia radical, mas os outros titulares contra indicaram, alegando que prostatectomia radical era igual a incontinência total e impotência, indicaram radioterapia, seria a primeira prostatectomia radical do Hospital A.C. Camargo.
Em Fortaleza fiquei a procura do paciente ideal, no dia 26/09/1989, atendi no consultório o pai de um colega médico com PSA = 35 ng/ml e uma biópsia de próstata positiva: Adenocarcinoma de próstata moderadamente diferenciado, classificação de Mostofi e estava pronto para ir a São Paulo realizar a cirurgia, mas resolveu ouvir minha opinião e no dia 01/10/1989, finalmente tive a oportunidade de fazer a primeira prostatectomia radical do Ceará, talvez do norte-nordeste, na Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza, auxiliado pelo colega de turma e também do A. C. Camargo Everardo Leite Gonçalves e pelo acadêmico Cassio Santos Cortez, com anestesia da Dra. Analia Pontes. A cirurgia durou 5 horas e o paciente foi transfundido com 3 bolsas de papas de hemácias. O resultado foi de um adenocarcinoma de próstata B1 Gleason III, linfonodos e vesículas seminais negativos.
Um mês após este procedimento o próprio colega que trouxera o pai, trouxe um tio do interior para eu operar, um colega médico obstetra também me procurou para operá-lo no Hospital Geral de Fortaleza, e assim foi se multiplicando os casos, muitos trazidos pelos próprios colegas urologista da cidade, que não tinham experiência com o procedimento, bem como recebi pacientes de colegas de outros estados. Fiz a primeira prostatectomia radical para a maioria dos urologistas e oncologistas do estado nesta época.
Passei também a realizar prostatectomia radical em outros estados, onde os colegas ainda não tinham conhecimento no procedimento: em Teresina na Faculdade de Medicina e no Hospital de Câncer São Marcos, Belém, Roraima, João Pessoa e Mato Grosso.
Em 1991 fui trabalhar no serviço de urologia do HGF de Fortaleza, local onde por mais de 30 anos ensinei câncer urológico à todos os residentes de urologia que passaram pelo hospital, bem como realizamos um grande número de prostatectomia radical.
Um fato pitoresco foi um paciente cearense que morava nos Estados Unidos, segundo ele informou, sua cirurgia tinha sido contra indicada porque sua expectativa de vida já tinha se expirado (tabela de life expectance). Resultado, operei ele e mais três americanos, trazido por ele, que moravam no seu bairro.
Em 2010 conclui meu doutorado em oncologia na USP, estudando uma série de prostatectomia radical, realizadas e seguidas por mim sob orientação do professor Dr. Fernando Soares que ressaltou a importância do fato: grande volume cirúrgico com seguimento feito por um único urologista.
Em outubro de 2024, a Prostatectomia Radical completou 35 anos no Ceará, estamos cientes do papel que representa na evolução do tratamento do câncer de próstata localizado, ano também em que eu ultrapassei as 4 mil prostatectomias radicais realizadas aqui em Fortaleza. Novos procedimentos apareceram e vão continuar aparecendo, mas sempre com custos bem elevados e resultados não muito superior a prostatectomia radical aberta.

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