Cinco coisas que você (provavelmente) não sabia sobre a Cannabis

Tido por muitos como polêmico e até mesmo tabu, o tratamento com produtos derivados da Cannabis tem ganhado cada vez mais espaço na grande mídia e no meio médico. Não é incomum que informações equivocadas sejam disseminadas (muitas vezes baseadas em dogmas, desinformação ou preconceito), dificultando o acesso de pacientes a um tratamento que pode, muitas vezes, trazer uma melhor qualidade de vida ao paciente e sua família.

 

Buscando contribuir para a mudança desse quadro, reuni cinco pontos que julgo importantes para informar, ainda que de maneira superficial, àqueles que ainda não possuem familiaridade com o tema.

 

1 – O primeiro registro escrito do uso medicinal de Cannabis data de 2737 AC, encontrado na farmacopeia chinesa Pen Ts’ao Ching, atribuída ao Imperador Shen-Nung, considerado o pai da medicina chinesa. Um exemplo de registro um pouco menos antigo data de 1500 AC, no Papyrus Ebers, livro de medicina do Antigo Egito, indicada como tratamento para inflamações oculares e cólicas menstruais.

 

Apesar de poucos registros terem recebido maior atenção durante muitos anos, a cultura do uso medicinal não se perdeu: no século XIX utilizava-se a tintura (óleo) de Cannabis para alívio de dores e náuseas nos Estados Unidos. Aqui mesmo no Brasil, a planta era vendida livremente até 1917 e com receita até 1938, nas, até então, Pharmácias, sob o nome de Cigarros Índios, como tratamento para “asma, catarro e insônia”.

 

2 – Há, em todos os animais vertebrados, um sistema denominado Endocanabinoide. Nos humanos, é composto de pelo menos dois receptores (CB1 e CB2), distribuídos de maneira diferente tanto no sistema nervoso central como na periferia. Além dos receptores, há ainda pelo menos dois canabinoides endógenos, conhecidos como N-araquidonoiletanolamina ou, para simplificar, Anandamida (de origem sânscrita, com livre tradução – molécula da felicidade) e 2-aracdonoil-glicerol, popularmente conhecido como 2-AG.

 

Tal sistema atua na modulação de vários outros sistemas já conhecidos e responsáveis por funções fundamentais, como apetite, dor, inflamação, termorregulação, sono, humor, memória, dentre outros. Os canabinoides exógenos (naturalmente presente em diversas plantas, dentre elas, a Cannabis) interagem com esse sistema através de um mecanismo de chave-fechadura e é através dessas conexões que se dá o tratamento com produtos derivados de Cannabis.

 

3 – Efeito entourage ou efeito comitiva é a relação sinérgica entre todos os compostos químicos presentes na Cannabis. Ou seja, ocorre quando o extrato completo da planta é utilizado (incluindo todos os canabinoides, terpenos, flavonoides, entre outras substâncias) mas não ocorre quando utilizados canabinoides isolados.

 

Um benefício claramente observado é na interação entre os dois principais fitocanabinoides THC e CBD. A presença do CBD auxilia na redução de potenciais efeitos colaterais do THC, ao mesmo tempo que o THC auxilia na redução de dose média necessária para o tratamento com o CBD (respostas melhores com doses menores e, consequentemente, menos efeitos colaterais).

 

É importante frisar que o THC, assim como o CBD, também apresenta potencial terapêutico, apresentando ação anti-espasmódica, anti-emética, podendo ser utilizado como indutor do apetite e sono, bem como alterando a percepção de estímulos dolorosos, o que o torna um bom aliado em diversos quadros, obviamente respeitando dosagens, contraindicações e segurança do paciente.

 

4 – O uso terapêutico do CBD com maior grau de evidência disponível no momento muito provavelmente se dá pelo seu efeito anticonvulsivante, tendo sido utilizado no tratamento de síndromes epilépticas de difícil controle.

 

O que não é um fato tão conhecido assim é que um pesquisador brasileiro, o professor Elisaldo Carlini (UNIFESP) teve participação importante na comprovação do efeito antiepiléptico do canabidiol, com um estudo duplo cego, randomizado com uma pequena amostra de 8 pacientes, publicado em 1981, com resultados promissores, que levou à realização de estudos maiores e que puderam trazer o CBD ao patamar no qual se encontra hoje.

 

5 – A utilidade da Cannabis vai muito além da fabricação de medicamentos e seu uso adulto. Assim como a carnaúba, árvore-símbolo do estado do Ceará, todas as suas partes são aproveitáveis. Suas sementes são ricas em proteínas (11 gramas de proteína em 30 gramas de sementes, enquanto para atingir a mesma quantidade proteica utilizando chia, por exemplo, seriam necessários mais de 100 gramas) e também podem ser utilizadas para produção de óleo para alimentação ou mesmo para produção de combustível.

 

Com as fibras presentes no caule, podem ser fabricados roupas, tecidos, cordas e até concreto. Suas folhas podem ser utilizadas para alimentação, tanto de animais como de humanos, e suas flores são utilizadas para fabricação de medicamentos, seja para utilização por via oral, inalada ou tópica. As raízes não ficam longe: utilizadas em forma de chá há alguns milhares de anos na medicina oriental, já se tem prova de seu potencial anti-inflamatório.

 

Alguns desses fatos, apesar de surpreendentes, são muito pouco perto do conhecimento que vem sendo produzido sobre o assunto. Não podemos permitir que nossa visão seja obstruída pelas vendas do preconceito e que evidências sejam ignoradas. Acolher e cuidar dos nossos pacientes, sempre com responsabilidade e prezando por sua segurança, faz parte da nossa missão enquanto médicos.

Dr. Eugênio Franco Médico - CRM 15.636 Pós-graduado em Cannabis Medicinal @dosesdeemergencia

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