Responsabilidade civil do médico

Hoje a medicina é, sem dúvidas, uma das atividades mais vulneráveis do mundo, a judicialização da saúde, as milhares de demandas contra médicos por supostos erros, vem tornando o seu exercício cada vez mais difícil.

 

Diariamente a Justiça brasileira recebe cerca de 100 processos por erro médico. O número coloca o país em segundo no ranking mundial de ações judiciais contra profissionais de saúde, atrás apenas dos Estados Unidos. O paciente, no cenário atual, torna-se cada vez mais um medo para o médico.

 

Antes de adentrarmos no assunto, vale a pena ressaltar que, decorrente do mesmo fato, o profissional pode ser demandado em até três esferas simultaneamente, a administrativa, a cível e a penal, cada uma tendo um tipo diferente de pena.

 

Na esfera administrativa a penalização recai sobre o profissional do médico, como por exemplo na cassação do seu CRM, na esfera penal, a pena recai sobre a pessoa do médico, como por exemplo, no caso de o médico vir a ser preso, cessando o seu direito de ir e vir, e na cível, que recai sobre o seu patrimônio, como por exemplos as indenizações por erro médico (danos morais, estéticos e materiais).

 

A responsabilidade civil é a obrigação que se tem em reparar, em dinheiro, um dano que tenha causado a alguém. Existem dois tipos de Responsabilidade Civil, a Objetiva e a Subjetiva, na relação médico-paciente, sempre será utilizada a Teoria Subjetiva.

 

 Ou seja, para que o médico seja culpado por um suposto “erro médico”, deverá, obrigatoriamente, ser comprovada a sua culpa, precisará ser demonstrado que este agiu com Negligência (inobservância no dever em realizar determinado procedimento), ou que este tenha sido Imperito (Falta de técnica necessária para a realização de certa atividade) ou Imprudente (falta de cautela, falta de cuidado).

 

Se fosse assim, seria perfeito, não teríamos essa enxurrada de ações judiciais contra médicos, na maioria das vezes infundadas, contudo, nesse momento, entra o Código de Defesa do Consumidor a favor do paciente, invertendo o ônus da prova, passando o Médico ser visto como Prestador de Serviço, tendo que provar que não é culpado, deixando essa relação totalmente desfavorável para o profissional.

 

Haja vista, que apenas é necessário que o paciente alegue, não precisando mais provar, esse é o entendimento de quase todos os Juízes e Desembargadores do nosso ordenamento jurídico, entendimento esse, totalmente equivocado, na minha opinião.

 

Eu defendo que não há uma relação de consumo entre o médico e o paciente, isso é muito claro, essa é uma relação contratual especial, não podendo em nenhuma hipótese ser enquadrada no Código de Defesa do Consumidor, beneficiando somente o paciente, que em quase 100% dos casos ainda tem o seu pedido de justiça gratuita deferido. 

 

Senão vejamos, a Medicina não é uma atividade mercantil, não pode ser tratada como um comércio, sendo vedado ao médico torna-la mercantilizada, com previsão expressa no artigo 58ª do Código de Ética Médico.

 

No mesmo sentido, vem o artigo 2º da Lei 12.842/2013 que dispõe sobre o exercício da medicina, quando diz que o objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual  deverá agora com máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional sem discriminação de qualquer natureza, ficando claro que a medicina não é um comércio ou uma mercadoria. Esse entendimento também é aceito e aplicado por todos os tribunais do país, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal.

 

A ministra Carmem Lúcia em seu Voto na ADPF 532MC/DF, fez uma das mais assertivas ressalvas quando relatou que “saúde não é mercadoria, vida não é negócio e dignidade não é lucro”, então por qual motivo enquadrar a relação médico-paciente no Código de Defesa do Consumidor.

 

Haja vista este servir para regular e igualar as relações comerciais entre consumidores e fornecedores/prestadores de serviço, não faz sentido, ao meu ver, essa é uma grande contradição dos próprios tribunais, pois entendem que não é uma relação comercial, contudo, enquadram no Código de Defesa do Consumidor essa relação.

 

Eu prefiro seguir a Teoria do Desembargador Miguel Kfouri Neto, um dos maiores doutrinadores deste país, onde em seu julgado STJ – REsp: 466730 TO 2002/0109327-0, excluiu a relação de consumo, entendendo que não se aplica nesta relação, não devendo ser acolhida o pedido da Inversão do Ônus da Prova! Ou seja, se o paciente quiser demandar o médico, deverá comprovar que o médico errou, e não o contrário.

 

Por isso é muito importante que o médico possua um escritório de advocacia especializado no Direito Médico, para que forneça toda a documentação necessária e específica para a sua atuação de forma segura, tais como: Termos de Consentimento Livre e Esclarecidos, Termos de Quitação de tratamentos/procedimentos, contratos entre diversos outros.

Dr. João Paulo Martins Especialista em Direito Médico pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. @defesasmedicasoficial

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